sábado, fevereiro 10, 2007

Carta de suicídio

Não deixo a ninguém a interpretação de minha vida. E aos que me dizem que o homem alcança a imortalidade através da memória de seus atos notáveis, respondo com a minha morte. Morro para toda a eternidade e levo comigo tudo o que fiz. Que queimem os meus livros! Raguem minhas fotos! Que apaguem do mundo as marcas de meus passos! Não quero sobreviver.

Se através de seus atos sobrevive o homem, esse deve ser, então, o grande castigo por seus crimes. O purgatório, onde se vive através dos outros, sem controle de seus proprios atos, com suas palavras travestidas pela ideologia alheia e seus gestos utilizados sem acordo com seus princípios. Uma marionete nas mãos de seus inimigos até que finalmente caia no esquecimento. Meus crimes eu prefiro pagar no fogo do inferno.

Pois não viveu Cristo através dos padres que se aproveitaram de sua memória para pilhar, matar, e enriquecer-se. Destruindo civilizações inteiras em face da necessidade de lhes levar a palavra de deus. E nem viveu Lênin, lider da revolução popular mais importante da história recente, através do gigantesco mausoléu que impôs Stalin à sua memória, nem da utilização de seu nome com o fim de validar um regime militarista e autoritário. Assim não viverei eu, tampouco, através da mediação ativa da memória alheia. A fazer de mim bom, ruim, arrogante, humilde, forte ou fraco. A me reinventar de acordo com o que convenha a seus nefastos interesses.

Morro e levo junto a minha liberdade, condição essencial para que eu esteja vivo. A essencia fundamental de minha vida, levo-a comigo para o túmulo.