Oreste
Tshhhhhhhhh. Mais um vazamento! Pensou Oreste já impaciente enquanto se mexia por entre o emaranhado de botijões e tubos que havia se tornado seu quarto. Tinha de tapar mais este e verificar a pressão dos tanques para que não explodissem. Com um alívio passageiro, constatou que o garrafão de aço fundido agüentaria mais um pouco até que chegasse o próximo reservatório, encomendado por ele no exterior para conter a crescente ameaça invisível que destruía o seu quarto.
Oreste morava sozinho em um quarto perfeitamente quadrado, com paredes brancas e uma janela transversal sempre fechada por causa do ar-condicionado e do barulho da rua. Este quarto tinha sido, um dia, bastante aconchegante para os padrões de Oreste. Antes de se transformar no inferno de tubos e garrafas de ferro que empurravam-no cada vez mais em direção à parede e tornavam difícil mesmo o entrar e sair do quarto.
Isso tudo começou num dia impreciso, esquecido devido à pouca importância aparentada à época de seu acontecimento. Oreste estava sossegado, com a janela fechada como de costume e o ar-condicionado ligado de forma que não tivesse interferências de fora enquanto lia, deitado na cama, uma revista americana. De repente, um barulho lhe chamou a atenção, seguido de um cheiro desagradável que lhe pareceu venenoso. Era um buraquinho na parede junto à porta, no lado oposto ao da janela. Verificou com certo desagrado que se tratava de um vazamento de gás, mas não se preocupou. Tapou o buraco com um esparadrapo e voltou à sua leitura.
De fato o esparadrapo resolveu o problema por um tempo, mas não em definitivo, de forma que Oreste foi novamente surpreendido pelo vazamento de gás no momento mais inoportuno: durante o sono. Acordou quase asfixiado com o cheiro de gás e teve que desligar o ar-condicionado e abrir a janela para dissipar o veneno enquanto verificava com irritação que o buraco havia aumentado devido à pressão e o esparadrapo não dava mais conta. Ainda embreagado do sono interrompido, protelou outra vez a solução do problema, colocando no buraco uma bexiga inflável que encontrou na gaveta. Colou-a com o esparadrapo em volta do buraquinho e voltou a dormir. Mais uma vez esqueceu o problema, que só voltou a incomodá-lo no dia em que se deu conta de que a bexiga estava prestes a estourar.
Oreste tapou o buraco, que aumentava a cada dia, com mais uma e mais outra, e mais outra bexiga, até que já eram cinco, cheias e prestes a estourar. Era o momento de tomar uma decisão. A situação estava começando a incomodá-lo a sério. Além de ocupar espaço e enfeiar a parede, aquelas bexigas corriam o risco de estourar a qualquer momento e asfixiá-lo com o montante de veneno que, na época, já armazenavam. Mas Oreste andava ocupado demais com assuntos muito mais importantes que aquele vazamentozinho infame e resolveu, rapidamente, que ligaria uma mangueira do buraco a um botijão de gás vazio para que fosse enchendo aos poucos. Ocupava menos espaço que todas aquelas bexigas cheias, poderia guardar muito mais gás além de ser mais resistente e seguro. Ficou satisfeito com sua decisão, certo de que o problema não voltaria a incomodar tão cedo.
A partir deste momento a história de Oreste se torna repetitiva e desinteressante, visto que é velha conhecida de todos nós, repetida a toda hora em qualquer esfera social. Sempre adiando a solução do problema e tomando medidas de ultima hora a reboque dos acontecimentos, visando resolver tudo no curto prazo sem ter de se ocupar das coisas de forma mais ampla e profunda, Oreste foi ampliando seu reservatório ao longo dos anos.
E aquele vazamentozinho persistiu com a paciência própria das coisas medíocres. Com a certeza de estar à margem de qualquer prioridade por ser demasiado infame. E foi ganhando espaço e se tornando cada vez maior, até se tornar grande o suficiente para transformar o quarto de Oreste num imenso reservatório, cheio de garrafas e botijões que tentavam conter a sua investida silenciosa a ferro fundido.
Quando já não havia mais espaço para Oreste em seu próprio quarto, ele teve de se mudar para a cozinha, lugar onde não pisava havia anos. E, logo na primeira noite que passou alí, dormindo sentado numa cadeira dura encostada na parede, acordou sobressaltado por um pesadelo e deu com a cabeça na prateleira. Com um grito de dor verificou que sangrava e se levantou para buscar, na dispensa, um curativo. Era um mundo desconhecido para ele, as entranhas de sua própria casa. Para sua surpresa, não encontrou a gaze e nem a água oxigenada que procurava, mas ao lado do material de limpeza, Quatro registros redondos de ferro pintado de amarelo. Num deles estava escrito "gás".
Foi como uma segunda porrada na cabeça. Já que o registro estava aberto, ele só precisava fechá-lo com a mão. Seguiram-se instantes de indecisão. Oreste pensava no que seria depois, o que fazer com tanto gás guardado a tanto tempo em seu quarto de dormir. Mas antes que pudesse tomar qualquer decisão, um clarão tomou-a por ele. E ele soube nos eternos instantes que separam a vida da morte que agora era tarde demais.
Oreste morava sozinho em um quarto perfeitamente quadrado, com paredes brancas e uma janela transversal sempre fechada por causa do ar-condicionado e do barulho da rua. Este quarto tinha sido, um dia, bastante aconchegante para os padrões de Oreste. Antes de se transformar no inferno de tubos e garrafas de ferro que empurravam-no cada vez mais em direção à parede e tornavam difícil mesmo o entrar e sair do quarto.
Isso tudo começou num dia impreciso, esquecido devido à pouca importância aparentada à época de seu acontecimento. Oreste estava sossegado, com a janela fechada como de costume e o ar-condicionado ligado de forma que não tivesse interferências de fora enquanto lia, deitado na cama, uma revista americana. De repente, um barulho lhe chamou a atenção, seguido de um cheiro desagradável que lhe pareceu venenoso. Era um buraquinho na parede junto à porta, no lado oposto ao da janela. Verificou com certo desagrado que se tratava de um vazamento de gás, mas não se preocupou. Tapou o buraco com um esparadrapo e voltou à sua leitura.
De fato o esparadrapo resolveu o problema por um tempo, mas não em definitivo, de forma que Oreste foi novamente surpreendido pelo vazamento de gás no momento mais inoportuno: durante o sono. Acordou quase asfixiado com o cheiro de gás e teve que desligar o ar-condicionado e abrir a janela para dissipar o veneno enquanto verificava com irritação que o buraco havia aumentado devido à pressão e o esparadrapo não dava mais conta. Ainda embreagado do sono interrompido, protelou outra vez a solução do problema, colocando no buraco uma bexiga inflável que encontrou na gaveta. Colou-a com o esparadrapo em volta do buraquinho e voltou a dormir. Mais uma vez esqueceu o problema, que só voltou a incomodá-lo no dia em que se deu conta de que a bexiga estava prestes a estourar.
Oreste tapou o buraco, que aumentava a cada dia, com mais uma e mais outra, e mais outra bexiga, até que já eram cinco, cheias e prestes a estourar. Era o momento de tomar uma decisão. A situação estava começando a incomodá-lo a sério. Além de ocupar espaço e enfeiar a parede, aquelas bexigas corriam o risco de estourar a qualquer momento e asfixiá-lo com o montante de veneno que, na época, já armazenavam. Mas Oreste andava ocupado demais com assuntos muito mais importantes que aquele vazamentozinho infame e resolveu, rapidamente, que ligaria uma mangueira do buraco a um botijão de gás vazio para que fosse enchendo aos poucos. Ocupava menos espaço que todas aquelas bexigas cheias, poderia guardar muito mais gás além de ser mais resistente e seguro. Ficou satisfeito com sua decisão, certo de que o problema não voltaria a incomodar tão cedo.
A partir deste momento a história de Oreste se torna repetitiva e desinteressante, visto que é velha conhecida de todos nós, repetida a toda hora em qualquer esfera social. Sempre adiando a solução do problema e tomando medidas de ultima hora a reboque dos acontecimentos, visando resolver tudo no curto prazo sem ter de se ocupar das coisas de forma mais ampla e profunda, Oreste foi ampliando seu reservatório ao longo dos anos.
E aquele vazamentozinho persistiu com a paciência própria das coisas medíocres. Com a certeza de estar à margem de qualquer prioridade por ser demasiado infame. E foi ganhando espaço e se tornando cada vez maior, até se tornar grande o suficiente para transformar o quarto de Oreste num imenso reservatório, cheio de garrafas e botijões que tentavam conter a sua investida silenciosa a ferro fundido.
Quando já não havia mais espaço para Oreste em seu próprio quarto, ele teve de se mudar para a cozinha, lugar onde não pisava havia anos. E, logo na primeira noite que passou alí, dormindo sentado numa cadeira dura encostada na parede, acordou sobressaltado por um pesadelo e deu com a cabeça na prateleira. Com um grito de dor verificou que sangrava e se levantou para buscar, na dispensa, um curativo. Era um mundo desconhecido para ele, as entranhas de sua própria casa. Para sua surpresa, não encontrou a gaze e nem a água oxigenada que procurava, mas ao lado do material de limpeza, Quatro registros redondos de ferro pintado de amarelo. Num deles estava escrito "gás".
Foi como uma segunda porrada na cabeça. Já que o registro estava aberto, ele só precisava fechá-lo com a mão. Seguiram-se instantes de indecisão. Oreste pensava no que seria depois, o que fazer com tanto gás guardado a tanto tempo em seu quarto de dormir. Mas antes que pudesse tomar qualquer decisão, um clarão tomou-a por ele. E ele soube nos eternos instantes que separam a vida da morte que agora era tarde demais.
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