domingo, junho 24, 2007

O Inimigo

Amanheceu e o sol me levantou aos beliscões. Cuspi areia com sangue, tomei um gole de água do cantil, precisei de todas as forças para me reerguer. Acordei com a firme determinação de encontrar o autor daquele golpe. O sol cozinhava meus delírios e fervia meu desejo de vingança. Não pude encontrá-lo nas nuvens, nem no horizonte e nem sequer em minha memória adormecida. Ao meu redor somente o deserto.

Me deixei vencer pelo cansaço. Abandonei meu corpo ao chão, encolhi a cabeça no meio das pernas e chorei. Primeiro foram lágrimas de ódio, depois vieram as lágrimas de desespero, em seguida as de sede e calor. Foram lágrimas suficientes para molhar a areia e fazer brotar dela um imenso rio por onde passaram baleias e navios, piratas e exercitos. Passavam ora caminhando na flor d'água, ora submersos, mas visíveis. As lágrimas permeiam a vida assim como o ar e o rio não lhes oferecia resistência. Passaram barcos de pesca e cortes de reinos distantes e, em meio a eles, passou correndo o meu cavalo. Eu tentei alcançá-lo mas não pude. A areia me atrasava o passo e ele se foi. Voltou pouco depois em meio a uma legião que partia para a guerra, mas dessa vez me carregava na garupa. Eu ia com a face torcida de ódio e nem vi quando fui derrubado.

Me encontrei desacordado no chão durante horas até perceber que meu inimigo não tinha rosto, muito menos havia ele disputado comigo alguma batalha esquecida. Engoli o sangue, a areia e o orgulho e peguei no sono outra vez. À noite é mais fácil caminhar. Além do quê, me guiam as estrelas.