domingo, março 18, 2007

A andada dos caranguejos

Talvez seja o sal, talvez seja a lama, mas o fato é que os caranguejos têm, mesmo, a memória fraca. Poucos deles são capazes de lembrar o que fizeram no dia anterior e, muito menos, o que fizeram um ano atrás. Volta e meia, é possível encontrar um Aratu em suas tocas a lhes contar as mesmas coisas, repetidas vezes; e eles a ouvirem tudo com a atenção e o interesse de quem ouve uma grande novidade, em primeiríssima mão.

Num dia destes, o Aratu contou aos caranguejos uma noticia que se passava fora do manguezal, numa praia próxima. Toda a família de caranguejos ouviu, bastante interessada, à sua história mas logo que ele saiu começaram a esquecer o assunto. Um caranguejinho mais atento perguntou ao pai se o mundo era muito grande. Este olhou em volta e, vendo somente o mangue e nada mais, respondeu que não, que o mundo era aquilo ali que ele estava vendo. Um Siri que estava de passagem ouviu aquilo e ficou tão irritado com a ignorância do caranguejo que não pôde deixar de se intrometer na conversa: "Ora mais que falta de cultura!" Reclamou ele, com o papai caranguejo. O mundo é muito maior que o que todas as nossas cabeças juntas possam imaginar. O mundo não tem fim! Eu mesmo estou indo agora visitar um primo que mora na praia, depois do mangue. De lá da praia é possível ver a mata de um lado e o mar do outro. Somente o mar é tão grande que vai até onde a vista alcança, e dizem que quanto mais você nada atrás do seu fim, mais longe ele vai ficando. Ora! Vocês deveriam se mexer um dia desses, andar por aí, ampliar os horizontes, sair desse mundinho limitado. Não faz bem a ninguém ficar sempre no mesmo lugar, vendo todo dia as mesmas coisas e achando que a vida é só isso! Não me admira que se esqueçam de tudo, já que nunca fazem nada digno de lembrança!

Terminado o discurso o Siri seguiu seu caminho em direção ao mar, onde visitaria o seu primo Siri-branco. Mas deixou, no caranguejo, uma pontinha de inveja. Como falava bem esse siri, como conhecia o mundo e suas histórias, e eu aqui sem nunca sair do lugar, achando que o mundo é só isso. Sem saber nem mesmo responder às perguntas do meu filho. Aquilo não estava certo, e ele decidiu fazer algo a respeito. Não demorou muito e lá foi ele ter com os outros caranguejos do mangue. Repetiu-lhes o que se lembrava da fala do siri, contou sobre a imensidão do mar sem fim, falou sobre como seria importante, inclusive para a formação cultural dos caranguejinhos conhecer outras realidades, ver um pouco do que existe lá fora... Os outros ouviam abismados àquele discurso. Todos pensavam o mesmo, que o mundo era o que estava diante dos seus olhos e pronto. Alguns, inclusive, tomaram por sandice toda aquela falação, e foram para suas tocas, ouvir as velhas novidades dos Aratus.

A maior parte, porém, se entusiasmou e saiu em marcha para além dos limites do mangue. Seguindo rio abaixo, a primeira surpresa foi com o tamanho do próprio manguezal e do rio, que iam muito além da área pela qual eles costumavam se movimentar. Qual não foi sua surpresa quando, finalmente, alcançaram o mar. Era de fato muito maior que eles podiam compreender. Alguns se emocionaram, outros tremeram de medo diante de algo tão grandioso. E, assim, eles conheceram uma porção de coisas novas: Siris brancos de praia, os Grauçás que moravam na areia, os pequeninos vaza-marés, que tinham a boca maior que o corpo. Foram na floresta ver os Gaiamuns subindo as árvores e se descobriram primos próximos. Imaginaram que o mundo deveria estar, ainda, cheio de coisas a conhecer e ficavam olhando para o céu, abobalhados com as núvens.

Andaram pelo mundo durante um bom tempo até conseguirem encontrar o caminho de volta pra casa. Chegaram no mangue cheios de histórias, de novidades, cultura... Mas o tempo vai passando; e não se sabe se é o sal, se é a lama, mas o fato é que os caranguejos têm, mesmo, a memória fraca. E todos os Aratus do mangue conheciam a habitual andada dos caranguejos, que saíam todo ano para conhecer o mundo do qual já não se lembravam mais.

Ilustração Rafael Borges

5 Comments:

Blogger Ludi said...

Ótimo contador de estórias você, mas essa andada surgiu do Amanda? Eu nunca tinha entendido porque andada... =)

4:14 PM  
Anonymous Anônimo said...

essa estória é muito boa.
mas acho que podia ser contada de outro jeito. não sei, achei meio enrolada. e é uma excelente estória.

4:57 PM  
Anonymous Anônimo said...

oxe, amanda? nem entendi.
andada é um fenômeno estranho, mas acontece mais ou menos uma vez por ano e tem algumas explicações, nada certo. Essa é a minha explicação...
=P

5:17 PM  
Blogger Ludi said...

Tem uma peça do Amanda que fala da andada dos caranguejos. N é minha, por isso nunca tinha entendido, achei até que tinham invntado essa andada...

11:32 AM  
Anonymous Anônimo said...

mi gusta, mi ser caranguejo também

12:28 PM  

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