Olho da Serra

A última das histórias que correu pela região, foi a de que Olho da Serra seria invenção de trovador e nunca teria existido de verdade. Instalaram-se, então, discussões intermináveis pelos botecos e feiras da redondeza. Ao que alguns juravam de pé junto haver, em outros tempos, visitado a cidade e até testemunhado vários dos casos místicos que ali se passaram, outros tomavam-nos por contadores de histórias sem o menor crédito, e o debate não se encerrava nunca, e ninguém saía convencido de coisa nenhuma. Mas o mais interessante sobre esse boato é que ele não foi inventado pelos moradores de Olho da Serra. Ao menos não no sentido lato da palavra inventar. Eles realmente acreditavam nisso, que a cidade onde moravam não existia.
Cidade é realmente um termo muito grande para descrever aquele povoadinho escondido no alto da Serra, mas não é aí que o problema reside. O que se passou foi que o lajedo sobre o qual se construiu a cidade começou, não se sabe por que estranho processo físico, a refletir a luz. A princípio bem pouquinho, e com o tempo cada vez mais, chegando o chão de Olho da Serra a parecer um grande espelho polido que refletia o céu. Os moradores entenderam aquele fenômeno como um desaparecimento gradual da cidade e começaram a espalhar por aí que esta não existia mais. O hábito de fazer circular boatos fez com que alguns espalhassem um pouco mais, que a cidade nunca haveria existido.
E o visitante que chega, hoje, a Olho da Serra toma um susto. Com o céu todo refletido no chão, parece andar sobre si mesmo, deslizando no vazio do espaço. Qualquer empurrãozinho poderia derrubá-lo no infinito, e até que se acostume, mal consegue tirar os pés do chão. Houve alguns casos de pessoas que se recusaram a entrar na cidade com medo de cair, sem acreditar no que os olhos viam. E um homem apressado entrou certa vez, correndo, na cidade e só foi perceber lá adiante que tinha o céu nos pés. Tamanho foi o susto que ele enfartou e caiu morto na hora, sem mais urgências, nem compromissos.
Já os habitantes de Olho da Serra, acabaram por se acostumar com o fato. E tiveram tempo o suficiente pra isso, já que o chão não virou espelho do dia para a noite. Hoje em dia, quando anoitece, eles se deitam todos do lado de fora das casas, e ficam soltos no espaço contemplando as estrelas de um céu que já não sabem mais onde começa e nem onde termina.
2 Comments:
"a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão
tu pisavas nos astros distraída
sem saber que a ventura desta vida
é a cabrocha, o luar e o violão" - inevitável não lembrar...
Lindo texto!
[essa ilustração ficou linda. =) =*]
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