terça-feira, janeiro 13, 2009

Fragmento



Déficit de instabilidade é o diagnóstico daquele que passa parte considerável da vida sem olhar para a lua, ou mesmo experienciar a noite. O contacto excessivo com o período diúrno força grave definição de coisas, pois o sol tudo delineia, tudo forma de maneira absoluta, apagando os dissensos e as ambigüidades naturais e necessárias.

Caminhar à luz da lua, ao menos duas vezes por ano, força no homem a percepção da sombra que se forma na ausência das cores, a inferência da forma não vista, constituindo forte exercício para a mente, que deve trabalhar a dimensão instável das coisas.

A estabilidade aparente dos objetos à luz do dia atrofia, no homem, a partir de parte do bulbo cerebral, os orgãos sutis, como a alma, ao passo que endurece os ossos e as juntas. Passa o indivíduo a constituir criatura sólida, destutuida de sombras, imperfeições cutâneas e profundidade de intelecto. Um todo de cores absolutas, perfeitamente definido e sem nuances, completamente desinteresante.

Para previnir o défict de instabilidade, faz-se necessária a manutenção do hábito da penúmbra, o rigor na observação do objeto invisível, mas existente - ou o contrário. O efeito da observação obscura prolongada é capaz de relativizar mesmo o mais claro sol de domingo, e previnir qualquer possibilidade de tarde banal.