sábado, agosto 27, 2011

Amnésia Alcólica


Intenso foi o sentimento daquela manhã calma e fria. Parecia que olhava tudo com olhos de criança, tudo era novo de novo. Como se tivesse acordado de uma amnésia alcóolica que começou aos dezesseis anos. Logo após aquela festa. Não. Aquele bar. Eu lembro de caminhar por uma rua movimentada, lembro das luzes, lembro de conhecer uma menina. Mas está tudo muito embaçado e o barulho das pessoas falando me impede de escutar o que ela dizia. A música vindo de 3 carros diferentes competindo pra ver quem tem o pau maior me impede de escutar a minha própria voz. Algumas cenas estão pela metade, outras sem foco, outras, ainda, são flashes incompreensíveis.

Ele caminha descalço. Sente a grama fria no pé, uma manta de lã no ombro protege o peito. Ele se sente tranquilo enquanto vai até a beira do rio e senta num pedregulho. Devia ter feito café. Inútil lembrar quando começou a tomar café. Foi depois de velho? Quando entrou no serviço público? No cursinho, estudando pro vestibular? É inútil, inútil. Inútil e sem propósito tentar lembrar de tanta coisa. Um erro imbecil achar que somos memória. Não. Somos presente e futuro. Não. Somos memória. Que bosta. É como tentar restaurar uma fita de vídeo cassete. Você limpa tudo, mas alguns pedaços já estão estragados, desses você nunca vai saber nada, pode cortar e jogar fora, outros ficam borrados. Em alguns você não ouve o som, em outros você só ouve o som, em outros, as imágens estão sem foco ou são flashes incompreensíveis.

De onde eu conheço essa frase? Será que fui eu quem falei? Será que foi ela? Lembro de um beijo intenso, de uma camisa vermelha, de cabelos mexendo frenéticamente. Lembro de não lembrar de onde saiam meus impulsos, mas de me dirigir a ela sem saber o que dizer. Lembro de uma conversa chata pra cacete com amigos de amigos. Há quem diga que é uma forma de fugir, que é fingimento, mas eu tento lembrar e não consigo. Eu devia ter feito um café antes de vir pra fora. Que frio do caralho. Parecia um redemoinho em sua cabeça. O sol começava a levantar. A claridade já anunciava o dia desde as 5h30, mas a claridade é fria e o sol é quente. O sol chega primeiro na altura dos olhos, mas rapidamente desce até os pés e começa a esquentar. Deixa o café pra depois.

Intenso é o sentimento de não saber como chegou aqui. Um dia você acorda e estranha sua cama, estranha seus lençóis e seus hábitos, sua cara no espelho. A boca seca, o gosto de cigarro, jornal, sei lá o que eu comi antes de dormir! O que está me fazendo tão mal. E você não lembra. E já faz tanto tempo. Aquele beijo intenso. A ligação no outro dia, o frio na barriga, o casamento. Flashes. Memória suja e fragmentada de uma pessoa que eu não reconheço. Será que eu estive bêbado esse tempo todo? O sol leva menos de 20 minutos para secar o sereno da grama, a manta já caiu do ombro. Um café iria bem. Melhor levantar e fazer um, antes que o dia fique quente, antes que eu perca esse momento. Antes que ele se torne só mais uma memória difusa de alguém que não sou mais eu.