domingo, dezembro 24, 2006

O caixote de memórias


Era uma vez uma garrafa de detergente que foi comprada por um senhor bem velho. Mas bem velho mesmo, tipo uns cem anos. Mas não era um velho velho daqueles que passam o dia se balançando na cadeira e assistindo a passagem do tempo sem se dar conta. Daqueles que não se dão mesmo conta porque o tempo que eles assitem passar já passou há muito, muito tempo. Era um velho daqueles que ainda são jovens e andam e que se preocupam com as coisas que passam. Afinal, ele mesmo acha que já passou, e algumas vezes não tem certeza se é ele mesmo que está alí, ou se ele é só uma memória que anda e vai até o supermercado comprar detergente pra fazer bolinhas de sabão.

Era uma vez um menino que brincava na praia com um caixote. Era um caixote velho que chegou trazido pelo mar num dia de sol. O menino estava sozinho na praia brincando e ficou feliz com a surpresa. Não pensou duas vezes. Abriu o caixote pra ver o que tinha dentro. E achou um monte de brinquedos velhos e estragados num monte de areia e sargaço que cobria tudo. Ele pensou que o caixote tivesse sido enviado a muito muito tempo por algum marinheiro velho e brincalhão. Como um tesouro que um dia alguém tem de encontrar. E que tinha navegado alguns anos perdido nos mares do caribe até ser trazido por uma corrente marinha até ele. E brincou de enterrar os brinquedso velhos num cemitério de brinquedos velhos. Que foi o fim mais solene no qual ele pode pensar para uns brinquedos que deviam estar cansados de viajar por aí num caixote carcomido pelas cracas e sargaços.

Era uma vez uma bolinha de sabão que matou um velho numa tarde de sábado. Foi a bolinha mais bonita que o velho ja fez em quase 30 anos de parque. E as crinaças do parque se alvoroçaram ao ver uma bolinha tão grande e perfeita e correram até ela aos pulos. Mas ela vôou mais alto que as crianças pudessem alcançar e mais alto que o velho pudesse continuar a ver. E assustou um passarinho que não conhecia bolinhas de sabão. E encantou a moça que vendia sorvete e que veio correndo tentar impedir o velho de subir na árvore atras da bolinha. Mas que só conseguiu chegar a tempo de lhe trazer o caixão aonde ele cairia. E o velho caçador da maior e mais perfeita bolinha de sabão já vista caiu da arvore direto no caixão que a moça trouxe, no momento em q a bolinha de sabão estourou contra um galho, já com os braços cruzados sobre o peito e o paletó preto de luto pela propria morte.

Era uma vez um enterro que não durou nem um minuto inteiro. Não durou nem um minuto em parte porque não tinham convidados alem de umas crianças de rua, uma moça que vendia sorvetes e um passarinho assustado, em parte porque o mar carregou o caixão antes que se pensasse em cavar um buraco. Mas o caixão não carregava um morto. Carregava uma memória que andava e ia até o supermercado comprar detergente para fazer bolinhas de sabão. E a memoria presa deve ter navegado por muito muito tempo em diversos mares das antilhas e do caribe. Colecionando cracas e sargaços. Colecionando novas memorias de lugares maravilhosos e incertos que acabaram por lhe fazer de brincadeira. E só foi encontrar descanso através das mãos de um menino que brincava sozinho, numa praia indeterminada e efêmera onde o mar por fim lhe levou.

domingo, dezembro 17, 2006

Quase um sucesso


Tenho quase 23 anos e sou quase baiano.
Estou quase formado e ando quase satisfeito às vezes, mas quase infeliz no resto do tempo. Quase nunca paro de reclamar, mas quase sempre tenho razão. Quase jogando fora essa auto-descrição tosca e quase piegas tão cheia de quases que quase me dá nos nervos.

Quase é o pouco que me falta pra que tudo dê certo. Porque eu sempre quase passo, quase fracasso, quase chego lá. Mas na maior parte do tempo fico no limbo. Naquela pequena distância. No passo que me falta e eu não sei dar. Naquele quase que é um quase nada, mas é quase sempre confundido com um quase alguma coisa. É a infinita distância que liga os dois pontos ou a mínima que os separa para sempre. Afinal o mundo é feito de precipícios e abismos de um centímetro. De grandes tufões que não derrubam uma única folha. O mundo é feito de quases, e eu sou QUASE um sucesso.