segunda-feira, janeiro 29, 2007

Vaza-maré

- Pai, porque o mar desce e sobe?
- Porque se ele ficar parado, ele vai se chatear.
- E se um dia ele descer todo?
- A gente vai ter que andar um bocado pra poder tomar banho de mar.
- E se ele subir todo?
- A gente vai ter de aprender a nadar como os peixes.

domingo, janeiro 21, 2007

Entre umas e outras


Como todo homem, eu um dia quis ser igual ao meu pai. Quis imitá-lo na profissão, nas atitudes, nos gostos, nas expressões, até mesmo independência. Daí surgiram, inclusive os primeiros conflitos lá em casa. Assim como ele não se submetia a ninguém, eu também não me submeteria. Nem mesmo a ele! Esse conflito não durou muito, dado o fato de que eu não tinha dinheiro no bolso e nem vocação pra hippie. A cabeça baixou e a garganta também. Ao mesmo tempo, o mito do super-herói foi caindo. O pai não era mais o modelo que eu buscava alcançar e sim o modelo do que eu, irremediavelmente, me tornaria. Quisesse eu, ou não.

Eu poderia citar diversos fatores que me levaram a essa conclusão. Mas vou me ater a um deles, que se passou recentemente. Foi o fenômeno da barriguinha de chopp. Esta fez sempre parte da figura do meu pai que chegava ao ponto de, na falta de uma mesa, apoiar o copo de whisky na barriga. Pois, ela aterrissou no meu corpo espontâneamente, de um dia para o outro, e foi saudada pelos amigos com grande alegria. Era um marco da chegada da vida adulta.

Foi esse o meu orgulho inicial. Eu era agora o feliz proprietário de um automóvel, de um diploma, de uma relação estável e - por que não - de uma barriguinha de chopp. Ninguém se opôs a ela. muito pelo contrário. "Você não sabe o quanto eu gastei nessa barriga" era a resposta de praxe de todos aqueles que compartilhavam comigo a condição.

Em meio àquela festa, uma coisa começou a me incomodar: Aquele símbolo de maturidade masculina, estava abalando minha masculinidade. Foi do que me dei conta certo dia enquanto me olhava no espelho. Estava experimentando a quarta ou quinta camisa antes de sair de casa quando proferí a seguinte frase: "Estou muito gordo para usar essa camisa".

!!!

Qual seria a próximo passo? "Eu não tenho roupa!", "Esse sapato não combina com a minha blusa" ou "Ai meu deus que bolsa linda!!!"? Não! Resolvi sair com aprimeira camisa que me viesse à mão, a fim de provar para mim mesmo que não estava me tornando uma moça. Porém, para a minha derrota me senti mal a noite inteira. Incomodado, me achando feio, achando que aquela roupa me engordava, meu deus!

Estava mesmo gordo, e havia chegado num impasse. O que representava então aquela pancinha? Um troféu ou um castigo? O início ou o fim da minha vida como homem? A resposta não veio, mas única solução possível para minha condição me caiu do céu no dia seguinte. O meu pai vinha me dizer que estava fazendo um regime. E que segunda começava na academia. "Tentar perder essa barriguinha. Não quer ir comigo?"

E lá fomos nós.

domingo, janeiro 14, 2007

Verde-musgo

Helinho nasceu com certo defeito no nervo óptico que lhe ampliava o espectro. Via manchas de ultra-violeta em sua roupa branca e nas paredes de casa. Os pais tratavam de entender pois o médico lhes dissera desde cedo: O menino vê além do visível. A roupa voltava para a lavanderia e a parede de casa foi pintada com tinta sintética, própria para pintura em Tela. À mesa, porém, diante de suas manhas, a paciência dos pais se esgotava.
"Não vou comer isso! É ultra-violeta!"
"Isso é Branco e se chama Couve-Flor! Trate de terminar seu prato ou vá direto pro quarto!"

Embora o problema estivesse, aí, concentrado na Couve-Flor, Helinho desenvolvera, de fato, uma certa repulsa à cor que lhe isolava do mundo. E nem sequer deixava-o mais bonito. Sua cor preferida era o verde-musgo.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Depois do carnaval

Sentado na porta de casa, o rapaz olhava um burro passar. Se movia sem graça e sem pressa pelo meio da poeira e do calor. Fazia seu caminho como se não fizesse diferença chegar a lugar nenhum. Ao passo do burro, o rapaz pensava nos lugares que ele deveria ter visitado. Grandes viagens que ele não tinha feito por motivos pequenos e que não deixaria de fazer no proximo ano. Lembrava de momentos de decisão e sentia saudade do que provavelmente lhe teria acontecido.

Caso tivesse entrado para a escola técnica quando teve a chance, a essa altura já teria um emprego. Poderia ir juntando 30. Não. 50 reais por mês. O que não é muito. Ao longo de doze meses já teria seissentos reais. Na verdade mais, por conta dos juros. E poderia reinvestir e já poderia ir tratando de dar entrada numa casa. Ou comprar uma viagem. Ou um carro forte com tração nas quatro rodas para sair por aí uns anos antes de decidir sua vida. Afinal, estava novo. E teria dinheiro.

Ainda dava tempo de se inscrever no consurso para o tribunal. Mas caso passasse teria de ir viver no Paraná. Começaria uma vida nova. Poderia moldar a forma como os outros lhe veriam. Inventar um apelido de infância pelo qual passaria a ser conhecido, se mostrar resoluto e forte. Recomeçar do zero. No Paraná, seria muito mais interessante e bem sucedido. Chegaria sem conhecer ninguém, é certo. Mas perto de seu novo apartamento, haveria de ter um bar onde ele iria se sentar depois do trabalho, pra conhecer a vizinhança. Já ouvira falar muito das meninas do Paraná. Não demoraria pra conhecer uma. Quem sabe no próprio bar... Aliás não, o lugar é meio sujo. teria de sair mais.

A vida se desenha com facilidade quando as poossibilidades estão todas abertas à sua frente. O burro já ia la adiante, devagar, depois da ponte. O rapaz pensou em se levantar, mas desistiu. Não tinha pressa e nem muito o que fazer. Afinal, era dia 31, e o ano só começa mesmo depois do carnaval. Segunda-feira entraria na academia. Em uns três meses já daria pra começar a sentir a diferença. Verão que vem faria sucesso. Poderia ir a alguma praia da moda, mostrar o muque...

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Em casa

Nem parecia que estava livre. Não foi ver ninguém, não saia de casa. Da rua, não viu a cara. Olhava, às vezes pela janela. Nem sequer lhe passava pela cabeça sair.
A liberdade é um problema meramente psicológico. Tampouco estava preso. Só estava, depois de tanto tempo, em casa.